ULTRAMAR
ASPECTOS DA POLÍTICA ULTRAMARINA PORTUGUESA
Cristo

Acordo político entre a U.P.A. e os E.U.A.

aos

Franco Nogueira confronta o embaixador dos E.U.A. em Portugal com um documento provando a existência de um acordo político entre aquele país e a organização terrorista U.P.A.

OPUS CITATUM
Diálogos Interditos — A política externa portuguesa e a guerra de África, I VolumeFranco NogueiraEditorial Intervenção, 1979págs. 83 — 85

Lisboa, 20 de Fevereiro de 1962 — Chamei o embaixador Elbrick.

Conforme combinado com o presidente do Conselho, mostrei-lhe a fotocópia do documento, emanado da Embaixada americana em Leopoldville, que contém o texto de um «acordo político» entre os Estados Unidos e a U.P.A., descriminando além disso fornecimentos de armas e de dinheiro por parte daqueles a esta última.

Antes de dar a ler o documento ao embaixador, todavia, formulei algumas considerações. Recordei-lhe que muitas vezes, em conversas anteriores, eu afirmara que no movimento terrorista em Angola multas responsabilidades cabiam aos Estados Unidos, e que destes provinham muitos auxílios, não só de instituições particulares como de departamentos oficiais. O embaixador sempre negara, e pedira provas. Por meu lado, sempre lhe repetira que em relação a muitos casos provas concretas e documentais eram difíceis de obter; mas quanto a outros aspectos possuíamos tais provas, que no entanto eu era obrigado a ocultar, justamente para não prejudicar as nossas fontes de informação. Parecia-me, contudo, que chegara o momento de sem inconveniente para nós lhe mostrar um documento entre muitos outros que tínhamos e que, só por si, justificava todas as acusações por mim feitas, e que se encontrava já há muito em nosso poder. E entreguei-lhe o documento. O embaixador leu atentamente, e repetiu a leitura. Durante alguns instantes, e pela primeira vez em todas as nossas conversas, ficou visivelmente perturbado. Não percebi, todavia, se a perturbação provinha da revelação do conteúdo do documento, ou do facto de verificar que um tal papel se encontrava em nosso poder. Refez-se, e formulou depois os seguintes comentários: o documento tinha toda a aparência de verdadeiro; mas não excluía a possibilidade de se tratar de uma manobra russa de falsificação, com o fim de prejudicar as relações entre os Estados Unidos e Portugal: e em qualquer hipótese ia solicitar explicações a Washington. Pediu-me uma cópia. Recusei, dizendo que ele decerto poderia, se quisesse, ver o próprio original nos arquivos americanos. E sorri com incredulidade perante os seus comentários. Elbrick concluiu por me assegurar que desconhecia por completo o assunto, e repetiu tanto e com tanto ênfase aquela segurança que, pela primeira vez, fiquei na dúvida sobre a sua total boa-fé.

Despedimo-nos, como sempre, nos termos da maior cordialidade pessoal.

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